domingo, 10 de junho de 2007

.High Society.

.High Society.

Alice passava seus dias de 12 anos de idade sonhando em se tornar uma... bem, nada. A mãe casou-se com o dinheiro do pai e este morreu ao desconfiar que sua filha, na verdade, seria fruto de um caso de sua esposa com duas notas de cem. Criada pela rigidez da mãe, a ela foi vetada a possibilidade de conhecer o gosto de doces e laticínios. Alguns dizem até que naquela casa só se comia capim, mas não sei se era uma afirmação a respeito da alimentação ou da conduta social.

Seus sonhos de 12 anos se resumiam em três, queria duas Mercedes e um Tanquinho. Batalhadora que só ela e seguindo os passos de sua mãe, premiada educadora, agarrou todas as cuecas ou possibilidades que lhe permitiram alcançar o patamar do hoje.

A primeira Mercedes foi repassada pela mãe. Tinha uns 45 anos de idade, 45 bolhas e calos nas mãos. Era doméstica e seu lugar era a cozinha. A segunda ganhou de seu primeiro marido. Era automóvel e merecia a lua, mas ficava bem na garagem climatizada. Seu último desejo, por fim, o Tanquinho, chegaria um pouco mais tarde. Ele era o filho da primeira Mercedes e logo voltaria do exército. Ouvi dizer que tinha esse apelido pela semelhança das ondulações de seu abdômen com aquelas dos tanques de lavar. A volta de Wladimir, o Tanquinho, seria marcada pelo posterior funeral de Roberto, marido de Alice, conhecido político da cidade Sorriso do Sul da Ponte, o doador da segunda Mercedes e também do gabarito da prova da magistratura. Coincidência ou não, no dia anterior Alice havia saído para lavar roupa fora porque o tanque de sua casa estava quebrado. "Esse tanque está quebrado há 2 semanas", dizia ela ao sair de casa sem o trouxa de lavar, "meu corpo está pedindo roupas limpas com sabão em pó multiuso e um tanquinho eficiente."

Com 22 anos, Alice já possuía tudo o que queria aos 12. Só que com a idade vieram mais sonhos de se tornar... bem, nada. Na sua casa, ainda viviam as duas Mercedes e o Tanquinho, agora jardineiro (função que aprendera enquanto militar), mas ela esperava mais e por isso passou pouco tempo guardando o luto com os amigos em noitadas regadas à vodka internacional. Na 12ª noitada conheceu Roberto. Não era nada parecido com o defunto, tirando o cabelo grisalho. O novo velho Roberto tinha uma ex-mulher hippie, nenhum filho e três vezes o patrimônio do velho velho Roberto. Dessa vez seria mais esperta. Não casaria. Só celebraria um contrato de união estável, pois teria quase as mesmas garantias e poderia ser quebrado facilmente. Esse era o cara que viveria o resto de sua vida.

Quando os pombinhos completaram 5 anos de união, na data do aniversário do segundo Roberto, Alice o buscou no trabalho com sua segunda Mercedes. Passearam na orla de Sorriso do Sul da Ponte por meia-hora até chegarem à famosa Maison da cidade. Surpresa! A esposa dedicada havia lhe preparado uma festa. Como ela era boa, pensava o marido, e as coisas em casa nem estão fáceis, afinal seus 70 anos não o permitiam lavar roupa com tanta freqüência.

A festa foi ótima. Sucesso. Alice sabia dar festas. Tudo do mais caro e em abundância. O dono do bufê só se espantou com o cartão de crédito. Nunca ela tinha dado o seu próprio em pagamento de nada. Finalmente essa menina tomou rumo na vida, sussurrava ele ao pé do ouvido de Tanquinho, agora garçom. Alice era só sorriso e emocionada fez um discurso para o seu amor. Chamou-o de pai, irmão, amigo e amante na frente de todos e para quem quisesse ouvir. Não foi à toa que o pedido de separação somado a um litígio judicial contra Roberto, soou tão estranho.

Nos autos do processo, Maria Alice Souza Albuquerque e Soares reclamava a importância de hum milhão de reais, duas Mercedes e um tanquinho. As duas Mercedes e o tanquinho eram os mesmos que possuía antes e o milhão era por danos morais. Danos morais causados por Roberto ao final daquela festa surpresa.

Ele foi pego dentro da segunda Mercedes, dentro da primeira Mercedes e com o Tanquinho, agora gay, dentro dele.